As colecções da Romano Torres
Para atender aos vários públicos a que destinava a sua produção, a Romano Torres foi lançando colecções distintas.
Para o público infantil (e infanto-juvenil) criou duas colecções, a «Manecas» (anos 1920-50) e a «Gigante» (anos 1940-50).
A «Manecas» foi uma colecção de culto, feita de versões visualmente apelativas de contos e outras histórias com personagens como Branca de Neve, Pinóquio, Gata Borralheira, Alice, etc. Tinha pequena dimensão (19,5×13,5cm) e bom preço [1]. Nela houve também lugar para recriar histórias sobre Jesus, St.º António de Lisboa, Vasco da Gama, D. Quixote ou o milagre de Fátima. Surgiu em 1925 pela mão de Henrique Marques Jr., sendo depois dirigida informalmente por Leyguarda Ferreira, ambos referências da casa e tendo escrito diversas histórias e adaptações.
A «Gigante» retirou o seu nome das suas generosas dimensões (32,5x15cm) e destacou-se justamente pelo maior apelo gráfico que assim poderia ser trabalhado pelos ilustradores Júlio Amorim e Alfredo Moraes. A distinção face à «Manecas» advinha só do tamanho, e do preço [2]. Teve vida curta e poucos títulos.
Embora a colecção «Salgari» (desde 1910) pudesse tocar várias gerações, as obras deste autor italiano foram publicitadas como “Livros para a juventude, educativos e atraentes”, ao lado dos “romances de aventuras” do seu compatriota Luigi Motta. Aquela colecção detinha o exclusivo para a língua portuguesa das aventuras do célebre príncipe malaio Sandokan, em português desde 1924. Foi continuada por «Nova Colecção Salgari», tendo sido uma das principais fontes de proventos para a editora. Foram complementadas por uma colecção mais abrangente, a «Romance de aventuras», que teve quase duas centenas de títulos.
Para o público adulto vão sendo criadas e consolidadas distintas colecções.
«Dramas da Espionagem», lançada em torno de 1935, serviu “as aventuras dos mais famosos espiões internacionaes” por um tal de George Lody. Sucede que não existiu nenhum Lody, foi um modo de João Amaral Jr. dar largas à sua imaginação. Ainda durou meia dúzia de títulos.
Com a «Família Hardy» (1940-51), Leão Penedo e Gentil Marques desenvolveram as aventuras do personagem Andy Hardy ao longo de 5 romances.
«De Capa e Espada» (desde 1944) serviu «romances de heroísmo e emoção» do século XIX, sobretudo de autores franceses como Albert Blanquet, Ponson du Terrail e Paul Féval (pai e filho).
Os estudos históricos foram uma aposta forte da casa, tendo originado pelo menos duas colecções: a «Portugal Histórico» (desde 1935), com obras de Fernando Mendes e do próprio editor Carlos Bregante Torres (sob o pseudónimo de Duarte de Almeida); e a «Série Lusíada», composta sobretudo por biografias históricas encomendadas a Mário Domingues desde os anos 1950. Ambas tiveram bom acolhimento e vida duradoura. Embora tecnicamente pudesse não ser uma colecção, a editora fez questão de agrupar os seus romances, dicionários e enciclopédias históricas sob o mesmo chapéu de “Colecção História Nacional” (conforme folheto publicitário para a Feira do Livro de 1943).
Nem todas as colecções tiveram sucesso, como a «Viagens portuguesas», de que localizámos um único título [3].
Publicou muitas colecções de romances e novelas. A primeira foi a «Biblioteca do “recreio”», iniciada com A magnetisada, em 1888.
Especialmente para um público feminino destinou-se a colecção «Azul» (desde anos 1930), composta por novelas sentimentais. Nesta colecção sobressaíram autoras como Magali, Max du Veuzit, Claire du Veuzit, além da prata da casa: João Amaral Jr., Leyguarda Ferreira e Odette Saint-Maurice. Outras editoras fizeram colecções com o mesmo nome, como a Editorial Progresso, pois era corrente também no estrangeiro. A partir dos anos 1950, a colecção «Autores Modernos» ocupou-se de novelistas (sobretudo anglo-saxónicos) entretanto popularizados, como Bruce Allsopp, Gloria Bevan, Louis Bromfield, Jon Cleary, Joy Packer, Denise Robins e Sara Seale.
Para um público adulto letrado fez-se a colecção «Obras Escolhidas de Autores Escolhidos» (desde 1944), que se buscou colar ao cânone literário ao ser publicitada como contendo “Obras-primas da literatura universal” (catálogo de 1970). Ofereceu sobretudo autores britânicos: Walter Scott, Wilkie Collins, Nathaniel Hawthorne, Jane Austen, Charles Dickens, irmãs Brontë, etc.
Para o público adulto amante do subgénero emergente do romance policial destinou-se a colecção «Grandes Mistérios»/«Grandes Mistérios, Grandes Aventuras», que em 1962 reunia já 125 títulos, ao preço de 10$ cada. Iniciou-se em 1943, com Os cinco suspeitos de Park House, onde Gentil Marques se disfarçou dum suposto James Strong. Publicou várias obras de John Creasey (e seus pseudónimos), um autor inglês que vendeu milhões até aos anos 1970.
No âmbito da vulgarização apostou em colecções técnicas, como a «Sciencia ao alcance de todos» (desde c.1910) e a «Biblioteca Scientifica Sexual» [4]. A primeira pretendeu fornecer informação enciclopédica diversa, adaptando estudos de F. Arago, C. Flammarion e A. Arcimis inicialmente em fascículos, mas teve curta duração. A segunda é hoje quase invisível, desaparecida dos principais catálogos em linha (como a Porbase). Contudo, vários dos seus títulos podem ser adquiridos em sites de livreiros antiquários. Também anunciou a colecção «Agrária» no seu catálogo, embora esta fosse do familiar Henrique Torres, que tinha a tipografia da casa e foi também editor. Esta colecção divulgou conhecimentos úteis sobre pecuária, horta, floricultura, prevenção, etc.
É possível que tenham existido mais colecções, o que ainda falta apurar.
O estudo da evolução do catálogo da Romano Torres revela-nos a preocupação com a cobertura de distintos nichos do mercado editorial, contemplados com colecções filiadas em distintos mas complementares géneros ou subgéneros literários. Também mostra a atenção a novos best-sellers que irrompiam no estrangeiro e a capacidade de suprimir colecções quando não tinham a procura desejada.
Bibiografia de apoio
APS (2011), “Leituras Antigas XXXVI: Colecção Gigante”, Arpose, 2/X.
CORTEZ, Maria Teresa (2007), “Henrique Marques Júnior e as «bibliotecas» infantis e juvenis”, in Teresa Seruya (org.), Estudos de tradução em Portugal. A Colecção Livros RTP-Biblioteca Básica Verbo – II, Lisboa, Universidade Católica Editora, p. 169-81.
FREIRE, João, LOUSADA, Maria Alexandre (1982), “O neomalthusianismo na propaganda libertária,” Análise Social , n.ºs 72-74, p. 1367-97.
MELO, Daniel (2013), “Para uma história da edição no Portugal contemporâneo: estudo de caso das Edições Romano Torres”, in Maria Fernanda Rollo (coord.), Atas I Congresso de História Contemporânea, s. l., IHC/CEIS20/Rede História, Maio, p. 555-65, ISBN 978-989-98388-0-2.
MONIZ, Maria Lin de Sousa (2007), “A case of pseudotranslation in the Portuguese literary system”, in Teresa Seruya (org.), Estudos de tradução em Portugal. A Colecção Livros RTP-Biblioteca Básica Verbo – II, Lisboa, Universidade Católica Editora, p. [200]-209.
PATRIARCA, Raquel (2012), O livro infanto-juvenil em Portugal entre 1870 e 1940 – uma perspetiva histórica, Porto, FLUP, tese de doutoramento em História.
PIRES, Maria Laura Bettencourt ([1982]), História da literatura infantil portuguesa, Lisboa, Vega.
SÁ, Marques de (s. d.), “A Colecção Salgari das Edições Romano Torres”, Emílio Salgari [sítio de Internet], <http://salgari.com.sapo.pt/Coleccao.html>.
TORRADO, António (20–), “Livros à mão e outros que não”, Casa da Leitura.
Daniel Melo (c) 2013
[1] A 3 escudos cada, nos anos 1930 (ver Patriarca, 2012: 77).
[2] Vendidos a 15$ cada, nos anos 1950 (ver APS, 2011).
[3] Trata-se de Portugueses e ingleses em África: romance científico, de Albino Estêvão Victoria Pereira, editado em 1892 (livre acesso ao texto integral).
[4] Colecção esta que será ligada ao debate neo-malthusiano dos anos 1930, dominado pelo anarquismo libertário e pela Federação Internacional da Regeneração Humana (vd. Freire & Lousada, 1982).