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Eugénio Silva, ilustrador de sonhos

Eugénio Silva, ilustrador de sonhos
Entrevista Friso

Eugénio Pepe da Silva (1937) recebeu-nos em sua casa, no Barreiro. À esquerda de quem entra, a sala de trabalho onde tantas capas da Romano Torres foram pintadas. Nessa sala, uma mesa de luz, um estirador, materiais de pintura, um computador que permanece desligado, vários armários onde inúmeras gavetas ordenadas por números guardam o trabalho de uma vida.

Iniciou a sua carreira de ilustrador na Litografia Amorim em 1954, depois de ter concluído o curso na actual Escola Secundária Artística António Arroio [1]. Pertence a uma geração de pintores, ilustradores e autores de banda desenhada que aí estudou, onde se incluem José Ruy, José Garcês e Túlio Coelho, entre outros. Nessa litografia, sob orientação de Júlio Amorim, aperfeiçoou a técnica, destacando-se como um dos artistas que mais ilustrou para a Romano Torres.

Mais tarde, embora já não trabalhasse na litografia, continuou a colaborar com a Romano Torres pela mão de Júlio Amorim, tendo acompanhado a editora até aos últimos dias desta. Devido a este percurso, Eugénio Silva é um elemento de ligação entre duas empresas do mundo do livro que viveram em colaboração estreita até ao fim de ambas, nos anos 80 do século passado.

A sua biografia, que conta com sucessos como o álbum Eusébio, o pantera negra, foi marcada desde o início pela Romano Torres, a qual descreve como essencial para o seu percurso. O testemunho que dele recolhemos foca-se assim na sua produção enquanto ilustrador, mas pretende também ser uma panorâmica sobre a sua carreira em geral.

Em baixo, transcreve-se a versão editada da entrevista a Eugénio Silva, e, logo a seguir, disponibilizamos a versão áudio, que dividimos em 5 partes, por nos parecerem temas autónomos e para facilitar a audição dos interessados.

O que considerou mais importante da sua formação na António Arroio?

Entrei em 1950, tirei o curso de desenhador litógrafo. Na aula de litografia com o mestre Rodrigues Alves, que foi quem me iniciou na banda-desenhada. A mim e outros alunos, quase todos os que havia da banda desenhada saíram da António Arroio pela mão do Rodrigues Alves.

De que nomes de colegas seus que tenham singrado nessa área se recorda?

O José Ruy, José Garcês, eu, José Manel, Vítor Paiva (que hoje é professor na nova António Arroio), muitos. Saíram de lá muitos para a banda desenhada, mas agora não me recordo.

Que professor o marcou mais?

Foi o Rodrigues Alves, que era o mestre da aula de litografia, e que era desenhador e colaborador de O Século. Já faleceu. Através do José Ruy, publiquei a minha primeira história no suplemento infantil do Diário de Notícias, A Nau Catrineta. A história em banda desenhada chamava-se Amoni e passava-se no antigo Egipto. Muitos anos mais tarde, colaborei na revista Pisca Pisca, que também já acabou, em frente da qual estava outro colega meu da banda desenhada, o José Antunes. Aí publiquei A gruta dos três irmãos.

Diria que a sua formação na António Arroio foi basilar?

Foi, sem dúvida. No meu curso de litografia tínhamos, para além da litografia, aulas de desenho, de figura, de composição, geométrico, etc. Depois tinha aulas de francês, português, físico-química, etc., para complementar. Mas tínhamos muitas aulas ligadas ao desenho.

Logo a seguir à António Arroio entra para a Litografia Amorim?

Esse mestre Rodrigues Alves arranjou logo emprego para nós os três. Para mim, para o Túlio Coelho e para o João Anjos. Entrámos logo no mês seguinte como desenhadores na Litografia Amorim pela mão de Rodrigues Alves. Estive lá três anos, acho que os meus colegas estiveram menos tempo.

O meio de recrutamento normal era através do próprio professor?

Não sei se terá arranjado emprego para outros também, mas ele ajudava muito os alunos. Era muito simpático, muito ligado ao futuro dos alunos. O José Ruy, que hoje é um veterano da banda desenhada, primeiro trabalhou no Mosquito e depois muitos anos no Diário de Notícias. Não sei se foi o Rodrigues Alves que lhe arranjou também esses trabalhos.

Quais eram as suas funções na Litografia Amorim?

Era desenhador. Fazia artes finais de vários trabalhos soltos e fazia sobretudo muitas ilustrações de capa e interior para duas colecções da altura, a colecção «Manecas» e «Salgari». Fiz muitas capas e ilustrações para o interior. Eles gostavam muito dos meus desenhos. O meu prato principal era essas colecções.

Eugénio Silva na Litografia Amorim

Eugénio Silva na Litografia Amorim (ca. 1954)

Qual era o método de trabalho na Litografia Amorim?

Tínhamos uma bancada, uma espécie de marquise onde trabalhávamos. O patrão [Júlio Amorim], que também trabalhava ali ao lado, dava-nos os trabalhos ali. A «Salgari» geralmente tinha capas já antigas, e nós fazíamos uma edição mais recente com novas capas.

Inspiravam-se na capa antiga?

Sim, por vezes inspirávamo-nos na capa antiga. Algumas eram feitas até por ele [Júlio Amorim]. Mas era assim, inspirados nas antigas, que fazíamos capas novas para as duas colecções.

Que memórias mais fortes guarda de Júlio Amorim?

Ele era boa pessoa, um bocado fechado, não era muito alegre, mas gostava muito do nosso trabalho, tratava bem os empregados. Era muito acessível. Eram os dois [Júlio Amorim e Lauro Amorim, seu irmão] muito acessíveis. Só que eu depois fui para a CUF do Barreiro porque entretanto era onde trabalhava um tio meu. Como havia uma sala de desenho de carpetes na secção têxtil, esse tio arranjou-me um emprego nessa sala. Disse-me que no mês seguinte começava a trabalhar ali, não pediu opinião nem nada. Ia ganhar mais. Entrava como empregado às nove (os outros colegas da sala de desenho entravam às oito, mas eu entrava a essa hora porque já tinha um curso). Mas eu tinha vergonha de dizer ao Júlio Amorim que ia sair, podia ter dito, mas calei-me e comecei a trabalhar na CUF. Depois disso é que lhe pedi muita desculpa por ter saído assim, mas que o meu tio tinha arranjado um emprego com futuro. Ele não ficou ofendido ou chateado, disse-me que não fazia mal, que podia continuar a trabalhar para ele porque gostava muito do meu trabalho. Passei a fazer trabalhos em casa para eles. Ainda colaborei muitos anos com a Litografia Amorim. Por fim até recebia encomendas directamente da Romano Torres, por indicação do Júlio Amorim. […]

É possível caracterizar a Litografia Amorim como uma empresa familiar?

Sim, vinha já do pai dele, que também era Júlio Amorim. Morreu e deixou aquilo aos filhos: Júlio Amorim, que estava à frente da litografia, e o irmão [Lauro], que tratava da parte comercial, embora tivesse outro emprego na Federação de Remo.

Para além da ilustração, que outros serviços a Litografia Amorim prestava à Romano Torres?

Era essencialmente a ilustração, mas imprimia, encadernava, fazia tudo. Entregava o livro já feito. Nalguns livros a capa era só letra e sem ilustração, sobretudo de Mark Twain e clássicos ingleses. Mas isso era só arte final.

Eugénio Silva e alguns colegas no interior da Litografia Amorim (ca. 1954)

Eugénio Silva e alguns colegas no interior da Litografia Amorim (ca. 1954)

Que outros colegas seus dessa altura trabalhavam para a Romano Torres na Litografia Amorim?

Só se fosse o João Soares, nas tais capas só com letras. Túlio Coelho também fez umas ilustrações, mas menos. Eu é que fazia mais daquelas capas da «Salgari». Da «Manecas» era só eu. […] João Anjos fazia mais artes finais, não era ilustrador.

A Romano Torres trabalhava exclusivamente com a Litografia Amorim?

Não sei, mas tenho impressão que sim. Não havia mercado para trabalhar com muitas litografias. Nesse tempo havia poucas litografias de nomeada. Para além da Litografia Amorim, havia a Bertrand e pouco mais. Penso que eles só trabalhavam com a Litografia Amorim.

Em que circunstâncias continuou a trabalhar com a Romano Torres depois de ter saído da Litografia Amorim?

A princípio o Júlio Amorim dava-me trabalhos para fazer para a Romano Torres, mas mais tarde disse-me que podia trabalhar directamente para eles. Então era a Romano Torres que me encomendava os livros e me pagava.

Que diferença é que viu entre trabalhar para a Romano Torres na Litografia Amorim e directamente?

Era a mesma coisa. Em termos de preços já não me lembro. Na Litografia Amorim tinha um ordenado, não me lembro quanto era, mas depois para a Romano Torres eram preços por capa e por desenho.

A cabana do pai Tomás, 8.ª ed., 1971

A cabana do pai Tomás, 8.ª ed., 1976

Que directrizes costumava receber para uma ilustração, tanto na Litografia Amorim como na Romano Torres?

Geralmente era baseado na capa antiga, feita não sei por quem. O motivo era o mesmo, bastava fazer uma nova capa com ilustração baseada na antiga. Raramente tinha que ler o livro para fazer a ilustração. O único caso que me lembro em que tive que ler o livro para escolher uma cena foi a Cabana do Pai Tomás. Levei muito tempo, mas lá consegui fazer. Levava muito tempo à procura do que havia de fazer, muito indeciso. De repente sonhei (o nosso subconsciente é esquisito) com uma capa já acabada e tudo. Levantei-me, vim para aqui [sala de desenho], fiz logo um esboço. […]

Os trabalhos finais de ilustração eram sempre só de sua autoria?

Por vezes eu esboçava, pintava, fazia a ilustração até ao momento final, mas depois ele [Júlio Amorim] dizia […] assim: «É pá, Pepe, não é bem assim.» Depois punha aquilo debaixo de uma torneira, passava com uma esponja e fazia com o traço dele. Hoje em dia ninguém faria isso, mas nunca lhe quis mal por isso. Nós éramos uns putos, aceitávamos tudo.

Havia diferença entre ilustração de capa e do miolo?

Tinha que esboçar o desenho da capa, era a cores, e fazia-se até à forma definitiva. No interior, eram ilustrações só a preto e branco, a tinta-da-china. Aí é que tinha que ler o livro para escolher as cenas.

O interior podia ser de sua autoria e a capa não, e vice-versa?

Não havia muitos ilustradores, era tudo feito por mim. Se eu fazia a capa, logicamente fazia também as ilustrações de dentro.

A rainha dos caraíbas, X.ª ed., 197-

A rainha dos caraíbas, 4.ª ed., 1977

Dos livros que ilustrou, quais lhe deram mais trabalho?

Não deram muito trabalho porque os temas eram bonitos, de aventuras. O corsário negro, A filha do corsário negro… Era tudo de aventuras e a gente lia aquilo com muito prazer, gozava com aquilo. Lia-se bem. Depois de ler, víamos uma cena gira, tomávamos apontamentos e depois fazíamos a cena.

Quanto ao trabalho directo com a Romano Torres, o próprio editor tinha algum comentário a fazer, havia alguma interferência com o produto final?

Não, ele aceitava sempre bem o nosso trabalho, tirando esse problema de pôr debaixo da torneira e fazer com o traço dele. Mas não escolhia as cenas, deixava ao nosso critério.

Refere-se a Júlio Amorim, mas quando trabalhou directamente para a Romano Torres?

Eles também aceitavam bem o meu trabalho. Davam-me o livro da edição antiga para fazer uma capa nova. Geralmente eram capas.

E os procedimentos internos da Romano Torres?

Eu fazia o trabalho, entregava e eles pagavam-me. Não tinha nada de especial.

Não lidava com alguém mais directamente na Romano Torres?

Eles resolviam tudo internamente, por exemplo o Francisco [Noronha Andrade, último editor], depois de eu entregar o trabalho, dava ordem de pagamento. Uns dias depois pagavam-me. Só não sei quando nem porque é que deixei de trabalhar para a Romano Torres. Não foi por que se zangassem comigo ou qualquer coisa. Mais tarde ainda passei por lá para os cumprimentar, ao Francisco, etc.

Que importância teve a Romano Torres no seu percurso como ilustrador?

Teve grande importância porque me deu muito trabalho, tive muito trabalho, fiz muitas capas e ilustrações. E todos eles eram simpáticos, nunca tive problemas com eles, nem com o Júlio Amorim, nem com a Romano Torres. Foi sempre um prazer trabalhar com eles, trataram-me sempre muito bem.

Que mecanismos havia para verificar a qualidade da reprodução das imagens?

Era tudo impresso na Litografia Amorim, mesmo os trabalhos que fiz depois.

Enviavam provas?

Ele [Júlio Amorim] é que aprovava. Para além de desenhador, era um grande conhecedor da parte da impressão. Ele é que aprovava todos os trabalhos que se faziam na oficina.

Não passava por si?

Passava tudo pelo Júlio Amorim.

Mesmo depois quando trabalhou com a Romano Torres?

Sim, porque a Romano Torres continuou a trabalhar com a Litografia Amorim. Não havia outra melhor.

A norma de estilo seria então inspirar-se nas capas antigas.

Sim, quanto aos motivos. Aquilo tinha uma cena e nós fazíamos essa cena. Não quer dizer que num caso ou noutro a gente não lesse o livro para escolher uma nova cena, mas geralmente era baseado nas capas antigas. Só se aparecesse um romance novo, que não tivesse sido ainda editado, é que tínhamos que o ler.

Mudando de tópico, quando começou o seu percurso na banda desenhada?

Trabalhei essencialmente como ilustrador de livros escolares com o Cipriano Dourado. Fizemos muitos livros de leitura, história, com ilustrações de capa e interior, para a Porto Editora. Depois comecei a trabalhar para outras, como a Didáctica. Havia um livro do curso de francês e eu lancei uma ideia que era fazer nos vários capítulos uma página inicial em banda desenhada. Nos balões, em vez de pôr o texto, punha uma ilustração para obrigar os miúdos a dizer aquilo em francês. Sabe que nunca se deve traduzir, deve-se dizer já na própria língua. Um deles foi Parler, rire et chanter. […] Depois fiz vários álbuns: Matias Sándor, uma adaptação do romance do Júlio Verne; História de Seia, uma monografia; História do concelho do Seixal, outra monografia, etc.

Eusébio, o pantera negra, 1.ª ed., 19XX

Eusébio, o pantera negra, 1.ª ed., 1990

É acertado dizer que o álbum Eusébio, o pantera negra foi a sua obra de maior sucesso?

Acho que sim, devido à figura, não ao meu desenho. Fiz aquilo com muita fidelidade em termos de documentação e tudo. A primeira edição, de 36 mil exemplares, esgotou em 8 meses. Foi um espectáculo, mas o patrão [Telmo Protázio, da Meribérica] depois chateou-se comigo porque não queria nada com a Sociedade [Portuguesa] de Autores [SPA]. Quando fizeram o contrato do Eusébio, eu ainda não pertencia à SPA. Depois, quando fiz a Inês de Castro, estava a trabalhar em exclusivo para a Meribérica, mas com a condição de fazerem um contrato através da SPA sempre que eu fizesse um trabalho novo. Acabei a Inês de Castro, mas despediram-me sem mais nem menos. Criou-me um distúrbio nessa altura. Percebi pela conversa que não estavam interessados em fazer contrato para a Inês de Castro, porque com o contrato da SPA eles estavam a ser controlados. Eles não queriam dar contas nenhumas. Estive parado dois anos, só depois se editou a Inês de Castro, que foi lançado na Amadora pela Meribérica, mas passados alguns meses retiraram o álbum do mercado. Acho que foi por represália. Desapareceram das livrarias o Eusébio e a Inês de Castro.

Depois da morte de Eusébio, foi contactado?

Fui convidado pela Verbo, que está ligada à Arcádia [grupo Babel], para fazer uma segunda edição [lançada a 9 de Fevereiro]. […]

Qual é a sua opinião perante o panorama editorial da banda desenhada em Portugal?

Isto está mau por causa da crise. A impressão é cara, a distribuição leva quase 50% dos lucros e, então, muitas editoras não comportam esses custos. Ainda por cima, como não sabem se aquilo vai vender, é um risco grande. Têm medo de arriscar, não é que não gostem de banda desenhada. Tem-se publicado muito pouca banda desenhada, nada comparado com o que se fazia antigamente. Publicava-se muita coisa, não quer dizer que as edições esgotassem, mas vendia-se bem. […] Houve um decréscimo de 50% ou mais. Tem-se publicado muito pouco. Se for a uma livraria, verá que não encontra muita banda desenhada portuguesa. Encontram-se mais obras estrangeiras como Lucky Luke, Astérix, etc.

Quando considera que foi o pico da banda desenhada em Portugal?

Não houve uma época própria, mas publicava-se muito mais em banda desenhada. Publicava-se e vendia-se!

 

Audio da entrevista a Eugénio Silva (11 de Fevereiro de 2014) 

Formação escolar e artística:

 

Percurso na Litografia Amorim:

 

Questões sobre a criação gráfica: 

 

Relações entre editores e autores:

 

Percurso na banda desenhada:

Entrevista e transcrição realizadas por Afonso Reis Cabral
Revisão e edição da entrevista por Daniel Melo

 * Todas as imagens são do espólio particular de Eugénio Silva, excepto a capa de Eugénio, o pantera negra.


[1] Esta escola foi criada em 1919 com o nome de Escola de Arte Aplicada de Lisboa. Foi renomeada de Escola de Artes Decorativas António Arroio após a morte do fundador, António José Arroio (1856-1934).

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